28º Campeonato Nacional de Escrita Criativa – Jornada 1

Assisti a tudo isto da minha mesa. Estava só, apenas eu e o meu café curto. Normalmente fico nesta mesa, onde o sol me encontra e a minha visão consegue perseguir os transeuntes sem que estes se apercebam.
No entanto, desta vez, o meu olhar desviou-se para a mesa do lado. A visita inesperada de um pequeno cão, mas com um grande agitar de cauda, propagou um surto de gargalhadas por toda a esplanada. E quando nada o fazia prever, o simpático cão deu um enorme salto para o colo do meu vizinho Pedro!
As coxas flácidas de Pedro, forradas de uma ganga assedada, juntamente com a sua larga camisola de lã, inventavam um ambiente de fazer inveja a muitos leitos. Ainda assim, não foi esse aparente conforto que aliciou o pequeno cachorro. Aquilo que o cativou foi o olhar vazio de Pedro, cheio de tudo um pouco, menos daquilo que importa.
Sem entender o porquê de ter sido o contemplado deste salto, Pedro ficou um tanto ou quanto encavacado não só com a atitude do bicho, mas também com os inúmeros pares de olhos que prontamente se viraram para ele. Passada a tormenta resultante deste pulo, surgiu a bonança afetuosa típica de quem tem a merecida fama de ser “o melhor amigo do Homem”.
Pedro sobrevivia sem vida, acrescentando apenas anos à idade. Todavia, por breves instantes, voltara a sorrir. Egocêntrico, materialista e escravo de si próprio, nunca sonhara ser possível sentir-se tão preenchido com algo tão gratuito. E, para seu espanto, mesmo quando parou de dar-lhe festinhas, o cão não arredou pé.
Já com o café frio, dei por mim, somente com a mala ao colo, a sorrir também. E aí percebi: nem sempre precisamos de colo, por vezes necessitamos apenas de alguém que queira ocupar o nosso.