28º Campeonato Nacional de Escrita Criativa – Jornada 10

Nota prévia: esta criação tem como narradora a Marta. Actualmente no 1º lugar da competição, a Marta nunca ganhou uma 10ª jornada (facto verídico) nas duas edições anteriores em que participou (26ª e 27ª). O objectivo deste texto é descrever o hipotético sentimento de frustração/insegurança que poderia sentir no decorrer desta 10ª jornada da 28ª edição.

Gosto tanto desta janela com vista para a imaginação. Raramente me deixa ficar mal. Mesmo em dias como este, em que as nuvens choram desalmadamente e as gotas dançam na vidraça. Adoro o meu templo da escrita. Onde o tempo escorre e a caneta transcreve o que a minha criatividade contempla. O meu miradouro fica no 9º andar deste aspirante a arranha-céus – deve ser por isso que insiste em perder a 10ª jornada. Estão sempre a dizer-me que só posso perder algo que já seja meu. Até posso fingir concordar. Mas depois de ganhar quatro jornadas consecutivas na 27ª edição, não seria de esperar que a 10ª já fosse minha também? Pelos vistos não. Fui a ver e afinal era da Inês. Não acredito em fantasmas, mas esta maldição persegue-me. Há duas edições consecutivas que a 10ª jornada me escapa. Porquê? Não é para o fim que normalmente fica o melhor? Tretas! E pior do que perder esta última jornada, só mesmo escorregar na liderança do CNEC1). Já é terça-feira e ainda não me saiu nada. Nem um mero gatafunho a minha caneta foi capaz de redigir… De certeza que o júri vai sentir que isto foi feito à pressa. Aposto que a Maria já escreveu e reviu o seu texto várias vezes. Um pontinho apenas não é folga suficiente… Depois de ter estado à frente tanto tempo, com que cara vou dizer que não ganhei esta edição? Que vergonha! Hoje nem a vista da minha janela me responde. Fico mal quando isto acontece. Parece que a chuva ensopou a minha criatividade. Apesar de estar num 9º andar, sinto-me mais pequena que as pessoas lá em baixo. Estou cansada. O Pedro costuma dizer que chegou a hora de escreVIVER, mas desta vez sinto que é mais tempo de esMORREcer.

1)Campeonato Nacional de Escrita Criativa

Parece que a chuva ensopou a minha criatividade. Apesar de estar num 9º andar,sinto-me mais pequena que as pessoas lá em baixo. Estou cansada. O Pedro costumadizer que chegou a hora de escreVIVER, mas desta vez

28º Campeonato Nacional de Escrita Criativa – Jornada 9

Pode ser que o comboio esteja atrasado. Também que se lixe. Se não apanhar este, vou de Regional. Fogo, tanto tempo a comprar idas e voltas para agora acabar sem retorno. A vida dá com cada volta… E eu a pensar, estúpido, que estava tudo sob controlo. Tinha em mim todos os cenários imagináveis, à exceção daqueles que a minha criatividade descartou. Que burro Tomás! Deviam doer-me os olhos de tão cego que fui. Com os olhos arrependidos e o coração trémulo, só me vale mesmo esta manhã de Primavera. O sol floresce entre as serras e as cerejeiras desabrocham coordenadas. E eu aqui no fundo.
Maldita noite no Fundão. Para quê procurar atenção em quem nunca me ligou nenhuma? Já devia saber que estas merdas se descobrem sempre. Se o arrependimento matasse mesmo, talvez eu nunca tivesse feito aquilo. Alimentei a porcaria do ego e acabei engolido por ele. Parece que não aprendes Tomás! E o que ganhei com isto? Quatro anos para o entulho e um regresso inusitado a Lisboa. Agora com quem vou dividir a última cereja da caixa? Com quem vou erguer bonecos de neve na Estrela? Só fazes trampa Tomás! Nem chegámos a ir visitar a emblemática aldeia de xisto no Piódão… Vou sentir falta do sorriso que ficou fossilizado naquela fotografia em Vilar Formoso. Éramos cartas do mesmo baralho. Contudo, depois daquilo que fiz, nunca poderíamos voltar a ir juntos a jogo. A vida é injusta. Mas isto… Porra, isto eu fiz por merecer.
Agora de certeza que me vê como uma nuvem escura no céu da sua vida, que passou e não deixou rasto. Ainda assim, vou deixar um vestígio. Vou contar aos muros da estação que já sinto a sua falta. Pode ser que acredite neles, pois já testemunharam muitas despedidas sinceras.

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28º Campeonato Nacional de Escrita Criativa – Jornada 8

Tenho vivido cada dia como se fosse o último. O primeiro último dia foi quando vi o meu Pai soltar a sua derradeira gargalhada. Que valentes risadas ele dava! O segundo foi a última vez que me ofusquei com o brilho dos olhos da minha Mãe. Bastava aquele olhar para eu encher-me de serenidade. Ambos foram vítimas das bombas que a gravidade arrastou até ao bairro de Saroujah, em Damasco. O meu bairro desapareceu, e o único rasto que deixou é aquele que ainda deambula pela minha memória. É esta a realidade que se vive num sítio onde o pouco dinheiro que existe só chega para comprar guerras, que criam pessoas como eu: refugiados. Posso ser um refugiado, mas nunca um derrotado. Perder implica desistir, e a vida que vence em mim não me deixa abrandar. Ao contrário dos 5600km que fiz para chegar a Lisboa, onde as fronteiras me fizeram desacelerar várias vezes. Atravessei imensos países! Não para fazer aquilo a que vocês chamam de interrail, mas na tentativa de me esconder da morte. E felizmente encontrei este esconderijo, onde jovens como eu têm direito a crescer. Onde as únicas bombas que explodem são as de mau cheiro. Onde os pais podem dar mais gargalhadas do que o meu, e o olhar das mães pode luzir no sorriso de seus filhos. Acredito que aqui a minha vida pode endireitar-se, à semelhança da régua que fez as fronteiras do meu País. E a prova disso é o prémio que hoje tenho o orgulho de estar a receber. Muito obrigado! Como sabem o meu nome é Fathi, um nome pequeno, com apenas cinco letras. Desde que cá cheguei, estas letras foram substituídas por outras cinco. “Monhé” é como todos me chamam. Os professores não gostam, mas olhem… Eu até acho giro.

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28º Campeonato Nacional de Escrita Criativa – Jornada 7

– Afonso?! – Exclamou Madalena, quando olhou surpresa para a entrada.
– Olá Madalena! Como estás? Olha, trouxe a tua revista preferida. Calculo que ainda não a tenhas, pois foi hoje para as bancas. – Disse Afonso, enquanto fechava a porta com cuidado para não incomodar os demais.
– Muito obrigado, agradeço-te imenso! Apesar das cores que dão, as flores ainda não se conseguem ler. Mas como sabias que era essa revista? – Perguntou Madalena, meio intrigada.
– Foi fácil. – Afirmou Afonso, orgulhoso da sua perspicácia. – Todas as quintas-feiras via-te passar pela minha secretária com a revista a espreitar pela mala.
– Ainda nem acredito que saíste mais cedo para me vir visitar! Quais foram as faturas que deixaste para conferir? – Disse espantada.
– Desde que nos deixaste muita coisa mudou! As resmas de faturas agora acumulam-se na minha secretária. Deixou de haver pressa, percebi que não são mais do que papel. E o papel, esse pode esperar. Hoje decidi que o importante era vir ver como estavas. E fico feliz de te ver com boa cara.
– A carinha laroca ainda é o que me vale! – Dizia bem-disposta – Mas estou cansada e farta de estar aqui fechada. Aborrece-me! Sinto imensa falta das nossas conversas nas horas de almoço. – Disse Madalena, enquanto passava os dedos pelos seus longos caracóis e desviava o olhar para a janela tentando disfarçar a timidez.
– Estávamos tão entranhados na rotina que nada sentíamos para além do hábito. Continuo a ir até ao Cais das Colunas. Sempre achei que eram os minutos de sol e aquela paisagem que me davam alento para cada tarde de trabalho. Mas agora, sinto o Tejo acanhado. Parece que toda a sua força esmoreceu e as margens ficaram nuas. Despidas de nós.

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28º Campeonato Nacional de Escrita Criativa – Jornada 6

A sua vida era desastrosa, pouco ou nada reluzia. A infelicidade dos desenquadrados assolava-a. Nunca se alinhara com as expectativas da comunidade em que residia. Comunidade essa que se auto rotulava de livre, quase perfeita. Onde cada um podia ser aquilo que quisesse e desapegar-se daquilo que o condicionava. No entanto, no incondicional residia uma condição, apenas uma. Era suposto corresponder às expectativas silenciosas de professores, colegas, pais, amigos e família.
Ainda que as chagas feitas pelo mundo doessem, a sua alma não sucumbia. Precisava criar espaço à volta da infelicidade que latejava. A incerteza que sentia interiormente era a porta de entrada para a sabedoria. Estava tão próxima! A sua intuição gritava-lhe a toda a hora. Os berros diziam-lhe que era no cascalho da devastação e do desastre que estava enterrada a riqueza oculta. E foi aí que aceitou tudo o que era e, assim, chegou à profundeza. Tocou no abismo da sua essência, onde a existência encaixa.
Vivia agora à margem do rio dos iguais e ria para a vida. Apagou do LinkedIn a foto que tinha com os braços cruzados, aquela já não era ela. Abraçou a incerteza e sentia-se bem com aquilo que não sabia. Tinha agora a certeza de que era a entrega à vida que ditava o sucesso, não o esforço que se aplicava. O seu mundo tornou-se mais vivido do que pensado e o medo ilusório já não a paralisava. A vida era um prazer, tudo brilhava! Substituiu o caminho de erva já pisada e descolorida, pelo trilho de flores erguidas e vivas que há tanto a chamava.
Mariana ganhou quando desistiu, a vida dos outros não era mais a vida dela.

Dedicado à minha amiga Mariana e baseado em sua inspiradora jornada.
Solidária na dor e cúmplice entusiasmada na alegria. Obrigado, Mariana.

Substituiu o caminho de erva já pisada e descolorida, pelo trilho de flores erguidas e vivas que há tanto a chamava.Ganhou quando desistiu, a vida dos outros já não era mais a vida dela.