A Viagem

Não sei, mas vou. Sou o que vejo, sinto e acredito. Preciso de mais, qual poço sem fundo. Tenho mundos por colorir e paisagens por escutar. Elas não fogem, porém continuo com pressa. Desfaço-me dessa rotina embriagada de mesmice e de dias que se contemplam ao espelho. Levo na mala a voz que não se cala, a curiosidade que não pestaneja e o entusiasmo estatelado por entre os meus lábios. Não viajo para fugir, mas sim para ficar bem. Quero tropeçar no incerto, afogar-me em cheiros irreconhecíveis e perder-me as vezes que forem necessárias até encontrar-me.

O tédio e o aborrecimento não deixam que eu me sinta sozinho nesta jornada. Prendem-me ao oco, sem nada para fazer. Desespero enquanto espero que algo aconteça. A folha em branco obriga-me a pegar nas rédeas e com isso os meus receios começam a cavalgar. Até aprender que o vazio é bom. Lá tem espaço, tudo pode acontecer. A imaginação solta-se e a criatividade começa a brotar por entre as nesgas do nada. Entrego-me e deixo que aconteça. A alma solta-se e começa a criar. A verdade vem ao de cima e o entusiasmo volta acender-se. Não ter nada para fazer permite-nos que façamos tudo. Observar a solidão e absorver as gotas de sabedoria que, outrora, estavam perdidas no rio de ruídos.

O (nosso) mundo só gira se lhe dermos com os pés. Passo a passo, amealhar quilómetros de recordações que, quando formos de vez, irão continuar por cá – as experiências vencem a morte. A vulnerabilidade das nossas dúvidas gera empatia de desconhecidos que não se deixaram vencer por preconceitos. Partilhamos doses de gratidão e deixamos que a nossa chama acenda várias velas sem nunca perder o fulgor. Partilhamos a nossa origem não por superioridade, mas por identidade. Deixamos de ser apenas Ronaldo e Fado para sermos também família e amizade. Criamos a nossa própria linguagem gestual – a vergonha não tinha cartão de embarque. Descemos à terra sem nunca tirar os olhos do céu. Aprendemos a sentir fora da caixa que nos condiciona o pulso. Constatamos que o caminho que trilhamos depende muito mais dos nossos pés do que dos sapatos que calçamos. Compramos generosidade com humildade e percebemos que somos apenas mais um, mas que sem nós o mundo não seria a mesma coisa.

O melhor das viagens é que ninguém as pode fazer por nós. Desapegamo-nos do casulo e surpreendemo-nos com o tamanho das nossas asas. Voltamos cada vez mais próximos de nós, apaixonados pelo nosso Ser e seguros da nossa imperfeição. Cada vez mais inteiros porque, quando saímos, nunca fazemos uma viagem só.

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