Ninguém é “Zé-Ninguém”

Ninguém é perfeito, somos todos perfectíveis.
“Perfeito”, do latim “perfectus”, significa “completo”, “acabado”. Ora bem, ao contrário dos bens materiais, esses sim acabados e, eventualmente com algum defeito, nós viemos ao mundo com particularidades e para nos irmos aperfeiçoando.
Felizmente, estamos tudo menos acabados. Muitas vezes, nem a própria morte põe fim a este caminho que tem como destino a melhor versão de nós próprios. Então, se todos somos estes seres com a capacidade e o poder de se auto-transformar, como pode alguém ser ninguém?
“Tens de ser alguém na vida”, era este o mote. Consoante o meio social em que se estava inserido, “ser alguém” tinha diferentes definições. Por norma, andava sempre à volta do ser rico, famoso, notável ou poderoso. As expectativas eram mais que exacerbadas e, na maioria dos casos, reflectiam os desejos não alcançados pelos pais. Sem o escudo da experiência para nos proteger, foi essa frustração, muitas vezes, o motor do nosso condicionamento.
Sermos nós próprios parece não ser suficiente. Paira no ar a sensação de que “ser eu” é o degrau que antecede o “ser alguém”. Esta inferiorização da nossa originalidade castra toda a nossa essência. Isto em nada engrandece a nossa auto-estima, muito pelo contrário, torna-nos buscadores de aprovação. Andamos por aí a ressacar por aceitação. Sedentos de compaixão, formatamo-nos de forma a conseguir fazer parte desta formação de gente que só quer ser alguém que não eles próprios. Este tétris social é muito semelhante ao jogo, quando finalmente encaixamos, desaparecemos. Mas, felizmente, estamos sempre a tempo de nos reencontrarmos. Caso não estejamos satisfeitos com quem somos é porque não estamos a viver a nossa verdade. Quando assim é, resta-nos usar a energia que a vida nos deu e pô-la ao serviço de nós mesmos. A verdade é esta, fomos formatados para ser algo que já o éramos: Alguém. Todos fazemos parte dum grande puzzle. E como em qualquer puzzle, todas as peças são fundamentais. Seria impossível completar a imagem da caixa se deixássemos “alguém” de fora. Não importa a sua forma, muito menos o seu conteúdo. Importa sim o que ela é, uma peça, uma parte do todo. Apesar de cada uma ter o seu papel, todas são importantes. E ai da peça que tentar encaixar numa posição que não a sua, além de estragar a imagem final, ainda se arrisca a ter de se (es)forçar para ocupar o seu lugar.
“Sê tu próprio”, repetiu-me tantas vezes a minha Mãe. Momentos de insegurança e incerteza levavam-me a crer que tinha de desempenhar um papel que não era meu. Em vez dum conselho simplório, eu queria era um guião. Era difícil enxergar toda a sabedoria que fluia naquelas palavras. Parecia demasiado simples para ser “só” assim. Achamos que a vida tem um manual de instruções e tem mesmo, mas cada um tem a sua versão.
Após ter subido a palco em várias ocasiões e ter participado vezes sem conta no baile de máscaras, hoje não me restam dúvidas: cada um de nós é o melhor a fazer de si próprio. E esta não é a melhor nem a pior solução, é a única.
Ninguém é “zé ninguém”. Sinto, profundamente, que todos somos um “zé alguém”. Cada um de nós é alguém que importa a alguém, mais que não seja a si próprio. Somos seres excepcionais e irrepetíveis! Todo somos alguém capaz de amar, contemplar a natureza e ter ideias. A criatividade galopa no nosso ADN enquanto a imaginação dá coices à realidade cinzenta com que nos querem encobrir o coração. A mensagem que transportamos é inigualável e imprescindível. Todos temos a capacidade de aprender e ensinar, inspirar e refletir, observar e absorver.
Como já dizia o saudoso Professor Agostinho da Silva “faça o favor de cumprir-se”. Todos, sem excepção, viemos cá para ser alguém, alguém capaz de cumprir o seu papel, o seu divino propósito.
Sendo assim, o que nos falta afinal? Falta perceber que não nos falta nada, rigorosamente nada.