Adiante

Olá aí atrás! Espero que este recado, bem ou mal, te encontre Miguel. Como deves imaginar, aqui à frente o horizonte é maior. A linha que o define continua a fundir-se connosco, no entanto a paisagem é mais extensa e densa. Ver mais além acalma-nos e mantém-nos despertos. Lê isto o quanto antes, por favor. Se deixares passar muito tempo, já não será novidade para ti.

Estás a ver o caminho que estás a trilhar? Sim, esse mesmo. Não te esqueças de deixar sempre um pé para trás de cada vez que deres um passo. Assim saberás sempre a origem da tua pegada. E acredita que isso vai dar-te um jeitão! Vão dizer-te inúmeras vezes que o céu é o limite, que tens de pensar fora da caixa e que as zonas de conforto são sítios muito bonitos onde nada cresce. Mas olha, queres saber uma boa? O céu não é o limite, tu é que és. Não percas muito tempo à procura da saída da caixa, percebe sim que não existe caixa nenhuma. E olha, não te sujeites a zonas de desconforto, elas também podem ser inférteis.

Quando te perguntarem se está tudo sob controlo, não digas que sim como costumas fazer. Vais perceber que nunca esteve, não está nem nunca estará. Acredita naquilo que te digo. Quer dizer, pensando bem até está. Só há um grande pormenor: não és tu quem controla Miguel.

Estima as tuas ideias e opiniões. Mas quando deixarem de ser tuas, liberta-te delas. E, o mais importante, pára lá com essa treta de querer sempre impor o teu ponto de vista. Dá-o sempre, mas de preferência quando to pedem. Tens de entender que todos os percursos são diferentes uns dos outros. Daí existirem perspectivas distintas.

Vão chamar-te utópico, exagerado e irrealista. Mas não lhes ligues Miguel. Eles ainda não perceberam que nunca foi erguida uma estátua de quem disse que não era possível. Podes não tocar no céu, mas em bicos dos pés ficas mais perto.

Não tenhas pressa. Nunca ouviste dizer que os apressados comem cru? Deixa as coisas terem tempo de criar as suas raízes, assim saberás que nem o vento mais forte as pode levar.

Com isto tudo não quero que te pré-ocupes Miguel. Relaxa, respira e faz sempre o melhor que sabes. Aproveito para te dar os parabéns, pois aqui à frente está tudo bem.

p.s – Faz-nos um favor e vê se não morres antes da tua respiração parar. Pode ser?

OPACO

Foi tão fácil querer tudo. Sem regras nem excepções, só com vontade. Quis correr uma maratona em velocidade de sprint e dar a volta ao mundo sem sair do meu prédio. A ânsia de não ter parecia ambição e o stress era a cara chapada do entusiasmo. Parecia tudo tão “tem de ser assim”. Segui pela rua das conquistas, sem passadeiras nem pasmaceiras.

Agarrei-me ao precipício da preguiça. Estaria a precipitar-me? Estava no topo e nem topava que a gravidade me puxava para dentro. Oh se puxava! Revirei os olhos para me observar e não gostei do que vi. Acendi as luzes, mas continuava escuro. Não nego que o negro não me ficava bem. Sempre achei que a escuridão assentava melhor na tela das estrelas.

Era tudo para ontem e para hoje nada ficou. O tempo a correr e eu a ver, sem conseguir andar. Suponho que não fiz o que era o suposto, mas precisava de subir de posto. Estou de luto enquanto luto e não preciso de ter lata. Gostos não se discutem, no entanto não consigo parar de barafustar com os meus. Foram os amores à primeira vista que mais me cegaram. E agora, apesar de querer ver, continuo a ser o pior cego. Não porque quis, mas porque o universo assim o entendeu.

Estou rodeado do que fui adiando. Para quê levar a meta mais além quando a corrida já vai longa? Alguém me diga qual a saída mais próxima. Se ao menos os tijolos fossem transparentes! É sempre mais fácil fugir quando se sabe o que está para lá dos muros opacos.